Pedro A. Batista Martins
Finalmente, após cinco anos de debate, a lei brasileira de arbitragem (Lei Marco Maciel), de iniciativa do Congresso Nacional, sancionada pelo Executivo, acaba de receber o nihil obstat do Supremo Tribunal, em uma de suas últimas reuniões plenárias de 2001.
Apesar de analisada e selada pelos três poderes da República, o fato mais marcante e que caracteriza a lei de arbitragem é a simpatia com que foi recebida por grande parcela da sociedade. Tal aspecto, em termos brasileiros, é emblemático, pois expressa, talvez, a chancela mais importante: a do cidadão, a confirmar que a lei pegou.
De fato, a longa discussão quanto à constitucionalidade da lei de arbitragem manteve-se ao largo da pró-atividade da sociedade civil no sentido da implementação desse meio extrajudicial de solução de conflito.
Foram intensos, nesses cinco anos de existência da Lei Marco Maciel, os cursos, as conferências, a publicação de estudos e livros, enfim, os debates travados ao redor do tema. Câmaras de arbitragem foram criadas Brasil afora, inclusive sob os auspícios de entidades renomadas, como é o caso do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, que tem como fundadores a Associação Comercial do Rio de Janeiro e a FIRJAN.
Essa movimentação social se explica por uma conjunção de fatores que se alinham ao momento em que vivemos, que, como ponto de partida, se projeta na justiça do século XXI.
Hoje, o cidadão reclama maior participação não só na formação das decisões administrativas como daquelas de caráter jurisdicional. O próprio Estado conclama a sociedade a com ele cooperar em várias de suas atividades.
A privatização e a desregulamentação da economia determinaram o retorno do Estado a funções mais nobres e relevantes e sinalizaram aquilo que muitas viúvas teimam em aceitar: a “débacle” do Estado-Providência. O Estado hoje deixou de ser veículo único a refletir e solver os anseios sociais, passando a agir como supervisor da atuação da coletividade.
Essa realidade encontra eco no moderno direito social, onde o desenvolvimento é da essência e o homem, seu valor intrínseco e que deve ser focado sob a ótica da fraternidade.
Estamos frente ao direito à solidariedade e ao pluralismo no seu significado maior de construção de um equilíbrio que amorteça os inevitáveis choques.
E o moderno direito social repudia a inatividade do Estado e reclama maior participação dos cidadãos, inclusive no campo do acesso à justiça.
É esse embricamento do moderno direito com o novo cenário social que explica o entusiasmo da sociedade e o seu interesse na adoção prática da Lei Marco Maciel.
A arbitragem é meio célere de solução de conflito. Lida com o consenso e a boa-fé e prioriza a participação cidadã. Amplia as sofridas portas do acesso à justiça e coopera com o Estado na sua administração, que, por sua vez, age como mero supervisor dessa jurisdição delegada.
A arbitragem reflete, pois, a liberdade. Com ela renasce a autonomia da vontade, por demais esquecida ao longo dos anos de intervenção estatal. Reflete, também, a moderna advocacia que não se coaduna com os atuais padrões de cultura e conduta arraigados nos tradicionais modelos da advocacia contenciosa. Os meios alternativos de solução de disputas exigem do profissional atitude cooperativa de busca de soluções ágeis e menos traumáticas de modo a evitar a controvérsia ou, se inevitável, que seja tratada com boa-fé e como uma ruptura natural e passageira que não redunde no rompimento definitivo da relação comercial das partes, algo deveras indesejado num mundo dinâmico, competitivo e globalizado. Exigem, sem dúvida, uma nova atitude no exercício da profissão que se traduz na advocacia reparadora.
Esse modelo de advocacia aliado à liberdade e à informalidade dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, onde o consenso e a boa-fé são da essência, conferirão, definitivamente, uma nova dinâmica à justiça do século XXI.
Contudo, um alerta: cuidado com os espertos de plantão. A arbitragem não é negócio; é, sim, instrumento valioso de acesso à justiça. Árbitro e juiz não se confundem, como tencionam alguns em flagrante má-fé, pois buscam na equiparação aos verdadeiros juízes – juízes togados – a qualificação que lhes falta e que, sem dúvida, nunca terão. Por certo, a experiência de outros países nos mostra que a arbitragem sobreviverá aos salteadores, pois conta com vários apoios, sobretudo do Poder Judiciário.