Pedro A. Batista Martins

Sumário: 1. Origem histórica do instituto da arbitragem. 2. Natureza jurídica da arbitragem. 3. Arbitragem no Brasil. 4. O instituto no direito positivo brasileiro. 5. Obstáculos e preconceitos à implementação do instituto no Brasil. 5.1. Cláusula compromissória. 5.2. Homologação da sentença arbitral. 5.3. A exclusão do acesso ao Poder da regra constitucional. 5.3.1 Introdução. 5.3.2. Teologia da regra constitucional. 5.3.3. Pareceres de comissões do Congresso Nacional e a posição da doutrina. 5.3.4. O entendimento jurisprudencial. 5.3.5. Propostas do Poder Executivo. 5.3.6. Conclusão do tema. 6. Nota sobre as Emendas Parlamentares ao Prometo de Lei nº 4.018/93 (Lei nº 9307/96) 7. Conclusão.

1. Origem Histórica do Instituto da Arbitragem

A arbitragem é instituto tão antigo que seu surgimento ocorre antes mesmo da existência do juiz estatal e do próprio legislador.1

Foi ela utilizada pelos povos desde a mais remota antiguidade, quando a desconfiança recíproca e as diferenças de raça e religião tornavam precárias as relações entre os povos.

Passada a fase primitiva da autotutela, onde imperava a força na solução dos conflitos, a composição dos interesses divergentes passou a ser assegurada ao ancião da tribo.

Indivíduo sábio, com vasta experiência, era ele indicado para atuar, como terceiro imparcial, na solução da lide, cabendo às partes acatarem a decisão bona fide.

Na ausência de uma legislação positiva, cabia ao ancião-árbitro aplicar à controvérsia, não regras de direito expresso, mas, sim, o costume e os princípios da moral e da ética que predominavam à época.

Daí a afirmativa de a arbitragem ser instituto que precede o legislador e o juiz estatal, pois, sem dúvida, não estava o Estado, nos seus primórdios, devidamente aparelhado para administrar a justiça.

Na Grécia antiga, a unidade de raça, de tradição e de cultura, acentuada pelo comum antagonismo ao mundo bárbaro, favoreceu, sobremaneira, o desenvolvimento da arbitragem.

O tratado firmado entre Esparta e Atenas, em 445 a.c., já continha cláusula compromissória, o que evidencia a utilização desse instituto por aquele povo e, também, a sua eficácia como meio de solução pacífica dos conflitos de interesse.

Na Roma antiga, a arbitragem ganha relevância e torna-se mais difundida com a expansão do Império Romano.

Os romanos criaram o iudicium privatum (lista de nomes de cidadãos idôneos-judex) que tinha por objeto dirimir, extrajudicialmente, questões resultantes de negócio jurídico entre seus nacionais. O cumprimento da decisão era garantido pelo Estado que a executava, caso o vencido não a acatasse.

A tutela jurisdicional, em Roma, pois, era dividida entre o magistrado (cônsul, pretor, procônsul, edil etc.) e o judex, aquele, revestido de imperium, e este, cidadão comum, limitava-se a consagrar o direito das partes, deixando ao interessado, com o apoio estatal, a obrigação de assegura-lo.

Por não lhe abrigar caráter público, o judex nada impunha ao vencido, nenhuma ordem lhe dava em nome do Estado, não contendo sua decisão caráter compulsório, mas, tão-somente, opinião sententia, explicação pronuntiato.

Note que a competência e o poder eram outorgados ao judex e ao arbiter – este detinha uma parcela maior desses ingredientes para aplicar e julgar o direito – pelo Estado, através do pretor e não diretamente pelas partes interessadas, como é da natureza corrente do instituto.

Com a invasão do Império Romano pelos bárbaros, a arbitragem também sofre um implemento, já que os habitantes das localidades invadidas, para fugir à aplicação compulsória do direito dos invasores, optavam por dirimir suas contendas via arbitragem, onde as regras legais poderiam ser livremente escolhidas, tornando-se esse instituto meio apropriado para adotar as normas jurídicas aceitas e conhecidas dos compromitentes.

Com a aceleração do intercâmbio entre os povos e das relações comerciais, a partir do século XI, a arbitragem ganha novo impulso pelas mãos dos comerciantes que, para fugir a uma gama enorme de ordenamentos jurídicos e ao próprio desaparelhamento da justiça estatal, passam a se utilizar, com frequência, do sistema arbitral para solucionar suas divergências, com base nos usos e costumes e demais práticas comerciais existentes à época.

Contudo, e inobstante a razoável utilização da arbitragem como meio de solucionar as pendências que surgiam (às vezes, até de forma arbitrária, como meio de impor autoridade aos dominados), o instituto sofreu um refluxo considerável no transcorrer dos séculos XVI e XVII, tendo sido retomada sua prática a partir do final do século XVIII.

Essa revitalização, sem dúvida alguma, deveu-se ao incremento do comércio estabelecido entre os indivíduos, à maior facilidade nas comunicações, bem como ao crescente inter-relacionamento dos Estados.

No século XIX, a prática da arbitragem desacelera-se, em razão de sua processualização exagerada, resultante das reformas legais instituídas por Napoleão e que irradiaram-se pelo continente europeu, bem como, pela melhoria do sistema estatal de administração da justiça.

Contudo, já no final do século XIX o interesse pela arbitragem é renovado, e sua utilização plenamente revigorada no século XX, com a ratificação de tratados sobre a matéria e a inserção do instituto na grande maioria dos sistemas jurídicos nacionais.

2. Natureza Jurídica da Arbitragem

Apesar de a Itália ter contribuído, substancialmente, com o estudo sobre a natureza jurídica da arbitragem, diz-se que foi na França onde a controvérsia em torno do tema se fez sentir, em razão da necessidade prática de se definir os limites da atuação do árbitro, os efeitos e alcance da decisão ou determinação por ele proferida e os requisitos necessários para que produzissem resultado legal na jurisdição francesa.

Aparentemente matéria de cunho acadêmico, na realidade o estudo da natureza jurídica consubstancia elemento importante, extremamente relevante, para se costurar e projetar a função e a autoridade do juízo arbitral enquanto justiça privada.

Para Salvatore Satta, que escreveu o clássico II Contributo allá Dottrina dell’Arbitrato,2 a definição sobre essa matéria é “il problema fondamentale dell’arbitrato“.

A coexistência de tribunais estatais e arbitrais acirrou a polêmica sobre o tema, pois o poder jurisdicional, até então exclusividade do Estado, passa a ser, também, admitido – senão reclamado – com de titularidade dos árbitros.

Com isso, duas grandes correntes formaram-se em polos opostos: de um lado, os privatistas que ressaltam a natureza contratual da arbitragem, em objeção aos publicistas, que reconhecem a função jurisdicional do juízo arbitral.

Adotaram a doutrina privatista os italianos Satta, Chiovenda, Alfredo Rocco, Clamandrei, Scaduto, Solarce, Lipari, Betti, Mattirolo, Menestrina, Angelotti e os alemães Weismann e Wach. Seguiram a teoria publicista os italianos Mortora, Giuseppe Saredo, Bonfante, Hugo Rocco, Galante, De Palo, Pipia, Fedozzi, Ghirardini, Codovilla, Minozzi, Vocino, Cogliolo, Jamalio, Di Blasi, D’onofrio e o alemão Bülow.

Os privatistas, cuja legião de seguidores cada vez mais sente-se reduzida e isolada, entendem que o árbitro, no exercício de suas funções de julgador, não detém dois dos elementos da jurisdição, i.e., a coertio (direito de fazer respeitar, de reprimir ofensa a lei) e a executio (direito de tornar obrigatória e coercitiva sua própria ordem de decisão), configurando laudo arbitral por ele emitido, mero parecer ou opinião técnica, a necessitar de chancela estatal para que produza seus efeitos de direito.

O laudo remanesceria ato privado, pois oriundo de exercício ou função privada. Nas palavras de Chiovenda,3 lodo esecutivo vuol dire un atto complesso in cui l’atto privato porta la matéria lógica, l’atto dell’organo publico porta la matéria giurisdizionale di una sentenzia “.

Entretanto, é a corrente jurisdicionalista que tem sido mais bem reconhecida, com o crescente aumento de adeptos, e, cada vez mais fortalecida por entendimentos jurisprudenciais e por modificações introduzidas nos sistemas jurídicos, por legisladores que entendem dever fortalecer o poder e a autoridade dos árbitros, de modo a assegurar o interesse do Estado na resolução dos conflitos por meios alternativos e, assim, salvaguardar a ordem jurídica e o equilíbrio nas relações privadas.

O poder estatal e uno, porém, seu exercício é distribuído por órgãos que a lei pré-estabelece, de forma a otimizar essa prática e melhor pacificar os conflitos.

Ao ser investido na qualidade de árbitro, o indivíduo está conferindo ao julgador competência, prevista e admitida em lei, para apreciar e solucionar a questão posta em toda a sua latitude.

Se a investidura nesse cargo tem caráter privado, pois é encarregado de julgar por um cidadão e não pelo próprio Estado, a assunção dessa função e o seu exercício são do interesse estatal, consubstanciando verdadeiro munus publicum; é expressão de caráter público.

Se o cidadão opta pela jurisdição privada e nomeia árbitro para dirimir a pendência, o faz com o pleno aval do Estado que possibilita e põe à disposição do interessado essa forma de solução de conflito.

A convenção de arbitragem, uma vez firmada, derroga a justiça estatal em benefício da jurisdição privada e, constituído o juízo arbitral, passa a deter o árbitro o poder de “dizer o direito” a ser aplicado à controvérsia e a dirimir todas e quaisquer questões relacionadas ao caso em exame, ressalvadas, obviamente, as matérias de direito indisponível.

A supressão da via judicial perfaz-se por acordo expresso na convenção de arbitragem, de natureza privada, enquanto os efeitos que dela originam-se, e que se irradiam nos atos exercitados pelo árbitro, como consequência do pacto arbitral, são de caráter público.

São atos jurídicos distintos, de natureza jurídicas opostas, sob o comando de diferentes partes e que se conformam entre si.

O árbitro, ao ser indicado pelas partes, não atua em nome delas, e sim, em nome do Estado, mas no interesse estatal e das partes, vez que todos buscam a justiça. Daí dizer-se que os árbitros estão em posição distinta, superior à das partes, tal o interesse e o caráter público que envolvem sua função.

Não é sem fundamento que os árbitros devem atuar com independência, discrição, imparcialidade, diligência e competência e, em termos de responsabilidade, estão equiparados aos juízes togados e aos funcionários públicos, irradiando, pois, reflexos nos campos cível e criminal.

Se o Estado ainda remanesce com a exclusividade de exercitar a coertio e a executio, através do Poder Judiciário, ao árbitro é assegurado os demais componentes da juridisção, a notio – faculdade de conhecer da causa, vocatio – faculdade de fazer intervir em juízo tudo se faça útil ao conhecimento da verdade e, principalmente, o judicium – direito de judicar e de pronunciar a sentença, que é a síntese e o componente relevante da jurisdição.

O interessado, ao nomear o árbitro, utiliza-se do direito legal de sujeitar a solução da disputa a um terceiro de sua confiança que, em contrapartida, ao aceitar, assume a obrigação de se desincumbir adequadamente da tarefa que o Estado lhe autoriza e chancela, praticando os atos que se façam necessário ao efetivo desempenho dessa função, sendo-lhe defeso, tão-somente, o exercício do poder de império. Falta-lhe, única e exclusivamente, a “potesta”.

Ademais, como assinala Patrício Aylwin Azocar 4 el império, por lo demás, no es un atributo esencial de los tribunales y su falta no altera la naturaleza de tal que tienen los árbitros“.

Note-se que a Lei Marco Maciel, que introduziu sistema arbitral de vanguarda, tornou flagrante o caráter jurisdicional da arbitragem no Brasil como se denota do contorno jurídico conferido a esse instituto (v.g. art. 31), e, bem como, marcou posição de autonomia e independência do juízo arbitral frente à justiça estatal, sendo reduzidos os casos de revisão da sentença arbitral frente à justiça estatal, sendo reduzidos os casos de revisão da sentença arbitral pelo Poder Judiciário e, ainda mais restrita essa intervenção, quando se trate de determinações cautelares ou coercitivas, onde o juiz togado é acionado para praticar o ato de império e, assim, impor ao renitente o decidido pelo árbitro.

O julgador privado, que se equipara ao juiz togado para todos os efeitos – e até com mais responsabilidade funcional – é um dos braços do Estado na administração da justiça como ocorre, por exemplo, no tribunal do júri.

Como salientam Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco, é preciso enxergar a jurisdição não pelo seu escopo jurídico estrito, mas, também, sob a prisma social e político, bem como funcional da jurisdição arbitral, que, numa visão teleológica equipara-se à jurisdição estatal, pois ambos almejam eliminar os conflitos com justiça, sendo certo, ainda, que a arbitragem pacifica as pessoas, vez que não só resolve a parcela da questão levada á decisão, mas, sobretudo, aplaca a lide sociológica.

A atuação do Estado na composição dos conflitos é de caráter meramente supletivo, na medida em que não ocorra a auto composição ou as partes não adotem outros meios alternativos de solução.

Orientando-se pelo movimento universal da terceira onda, de assegurar os sistemas jurídicos de meios alternativos de solução de disputas, e pela tendência moderna de dotar o juízo arbitral de plenos poderes jurisdicionais, a lei Marco Maciel trouxe os bons ventos que sopravam e elevavam, à vanguarda, os princípios institutos da arbitragem, prestigiando essa forma de pacificação e conferindo ao cidadão, mais um meio de acesso à justiça.

3. Arbitragem no Brasil

Se formos rever a história brasileira no tocante ao instituto da arbitragem, ficarmos espantados em notar que, contrariamente ao que se possa pensar, o país tem uma longa tradição na utilização desse sistema de solução pacífica de conflitos, a nível de Estados soberanos.

Assim, podemos citar algumas das questões que o Brasil enfrentou com outros Estados, cujas soluções foram submetidas ao crivo de arbitragem ad hoc.5

1. Controvérsias Territoriais:

i. resolvida com a Argentina, em 1900, com laudo favorável ao Brasil;

ii. solucionada com a Guiana Britânica, em 1904, sendo eu o laudo proferido pelo rei da Itália, Victor Emanuel III, de tão injusto, foi reexaminado e modificado, posteriormente, para se alcançar a equidade:

iii.resolvida com a Bolívia, em 1909, com relação ao, hoje, Estado do Acre.

2. Questões Patrimoniais:

i. pleito formalizado pelo do Almirante Cochrane para recebimento de quantia que seria devida a seu pai em função dos serviços prestados à causa da independência do Brasil – o laudo desfavorável ao Brasil foi emitido em 1873;

ii. pendência com os Estados Unidos em consequência do naufrágio da galera norte-americana Canadá, nas costas do Rio Grande do Norte – o laudo, de 1870, foi desfavorável aos interesses brasileiros;

iii. reclamação da Suécia e da Noruega em virtude do abalroamento, no porto de Assunção, da barca norueguesa Queen, pelo monitor brasileiro Pará – o laudo, de 1872, declarou improcedente a reclamação.

3. Questões Outras:

i. Divergência com a Grã-Bretanha, resultante da prisão, no Rio de Janeiro, de oficiais da fragata inglesa Fort – o laudo foi emitido no ano de 1863, em favor do Brasil;

ii. Reclamações mútuas com o Peru, em virtude de problemas ocorridos no Algo Juruá e Alto Purus, resolvidas em 1910.

De ressaltar que, todos os conflitos, antes enumerados, foram resolvidos de forma satisfatória e acatados, sem renitência, pelas partes envolvidas.

Por outro lado, vários foram os Tratados firmados pelo Brasil, através dos quais obrigou-se a submeter à arbitragem conflitos de natureza jurídica ou de interpretação de tratados existentes entre as partes.

Nesse sentido, podemos citar aqueles acordados com o Chile (1899), Estados Unidos, França, Espanha, México, Venezuela, Costa Rica, Equador, Cuba, Grã-Bretanha, Noruega, China, Peru (1909), Haiti (1910), Áustria-Hungria (1910) e Suíça (1924).

Não bastassem tais fastos, a comprovar certa tradição brasileira na utilização e sujeição à arbitragem, vários foram os brasileiros ilustres que participaram, na qualidade de árbitro, de diversas pendências entre Estados, de suam relevância no cenário internacional.

Nosso Visconde de Itajubá, Ministro Plenipotenciário em Paris, formou, juntamente com outros quatro árbitros, o tribunal arbitral constituído em razão do Tratado de Jay, que havia sido firmado pela Inglaterra e os Estados Unidos, em 1794, para solucionar questões existentes entre as duas nações.

Esse painel de árbitros apreciou e julgou, em 1872, questões relacionadas a fatos ocorridos nos Estados Unidos durante o período da Guerra de Secessão, cujos efeitos envolveram interesses da Grã-Bretanha.

Esse affair ficou conhecido como o Caso Alabama, e a sua conclusão satisfatória e definitiva, resultou em maior confiança e incremento na utilização da arbitragem como meio pacífico de solução de conflitos.6

Brilhantes foram as participações do Barão de Arinos, como árbitro nas reclamações mútuas franco-americanas, por danos causador às partes por autoridades civis e militares dos reclamantes, durante a (i) Guerra de Secessão, (ii) a expedição ao México e (iii) a guerra franco-prussiana de 1870, e as do Conselheiro Lafayette e do Barão de Aguiar d’Andrada, na reclamação da França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e outros contra o Chile, por danos sofridas por nacionais dos países reclamantes, como consequência de operações de guerra na Bolívia e no Peru.

No campo doméstico, as discussões de limites fronteiriços entre Estados brasileiros têm sido, sempre, resolvidas por meio da arbitragem ad hoc, como ocorreu entre os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Mais recentemente, em 1988, por proposta do Ministério da Justiça, e para evitar o conflito armado que já se avistava, os governadores do Acre e de Rondônia submeteram à arbitragem, a solução da disputa por uma área de 5.000 Km2, próximo à fronteira boliviana.

No campo dos conflitos comerciais, o juízo arbitral foi o meio utilizado para resolver o caso Dr. Werneck vs. Minas Gerais, a respeito do arrendamento da estância hidromineral de Lambari e a disputa que ocorreu entre a Companhia Siderúrgica Nacional e Batista Pereira, pela exploração de uma mina de carvão localizada em Santa Catarina.

Mais recentemente, a União Federal resolveu por arbitragem o pedido de indenização formulado por descendentes de Henrique Lage, em consequência da incorporação ao Patrimônio Nacional dos bens e direitos das empresas da chamada Organização Lage e do espólio de Henrique Lage.

Se os dados acima mencionados, por siso, demonstram a efetiva tradição brasileira no uso do instituto para a solução dos conflitos de interesse, de outro modo, faz-nos questionar a razão que levou os indivíduos a não adotar esse sistema legal nas disputas em que são comumente parte.

A surpresa também é realçada quando concluirmos, com o tópico que se seguirá, que o legislador, de há muito, prestigia a arbitragem, tendo inserindo-a no nosso sistema jurídico desde meados do século XIX.

4. O Instituto no Direito Positivo Brasileiro

A menção ao juízo arbitral surge em nosso ordenamento legal, pela primeira vez, como advento da Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, que, em seu art. 160, estabelecia que nas causas cíveis e nas penais, civilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes-árbitros e que suas sentenças serão executadas em recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes.

Curioso notar que os primórdios do Século XIX já se permitia ao interessado adotar a via arbitral e, somente agora, passados mais de 170 anos de edição dessa Constituição é que temos, no Brasil, uma lei que viabiliza a implementação desse instituto. Salienta-se, ainda, essa mesma Constituição Política impunha a tentativa de conciliação prévia das partes, a cargo dos Juízes, enquanto, ainda hoje, nossa lei adjetiva determina a conciliação, somente após a distribuição do feito ao juiz togado.

No que tange às legislações extravagantes, a arbitragem foi introduzida no nosso sistema positivo como meio de solução das pendências referentes a seguro, no ano de 1831 e, em seguida, em 1837, nas matérias relativas à locação de serviços.

Nesse particular, contudo, é de ressaltar que o sistema arbitral proposto por estas normas legais, tinha caráter impositivo ou obrigatório, não podendo os interessados dele afastar-se para dirimir a controvérsia pela via estatal.

Em razão dessa compulsoriedade, perdia a arbitragem uma de suas relevantes características, viz a consensualidade. As partes não tinham outra opção, no campo da heterocomposição, que não submeter-se ao juízo arbitral para pôr fim a controvérsia.

Contudo, é bom frisar, essa obrigatoriedade não descaracterizava, de todo, o instituto, pois continuava ele a desempenhar um dos seus fundamentais papéis que era o de viabilizar o acesso à justiça e, ainda assim, mantinha íntegras suas demais vantagens, como a celeridade e a especialidade.

De salientar que a arbitragem compulsória existe em várias outras legislações, como as da Argentina, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos.

Por sinal, como veremos mais adiante, no tópico da constitucionalidade da arbitragem, sua obrigatoriedade legal não viola a Constituição Federal.

Já em 1850, o Decreto nº 737, de 25 de novembro, estabelecia as regras de instituição do juízo arbitral, no caso de disputas havidas entre comerciantes.

Ainda nesse mesmo ano, o Código Comercial traz em seu bojo a figura do juízo arbitral e, seguindo a tendência já delineada no passado, prescreve-o de modo obrigatório às questões (i) resultantes de contratos de locação mercantil, (ii) suscitadas pelos sócios, entre si, ou com relação à sociedade, inclusive quanto à liquidação ou partilha, (iii) de direito marítimo, no que toca a pagamento de salvados e sobre avarias, repartição ou rateio das avarias grossas e (iv) relacionadas à quebra.

A primeira Constituição brasileira sob a égide da República Federativa, datada de 24 de fevereiro de 1895, não tratou da arbitragem entre particulares, a ela referindo-se, contudo, como forma de pacificação dos conflitos existentes nas relações entre Estados soberanos, de modo a evitar-se o confronto armado.

Como era comum à época, equivocadamente, e palavra “arbitra-mento” era utilizada como sinônimo de arbitragem, como ocorreu com o legislador constitucional.

Arbitramento, na realidade, pressupõe a estimação de um valor, não se confundindo, pois, com arbitragem, que é meio de acesso à justiça.

A essa Carta magna, e em linha com a descentralização nela esboçada, seguiu-se a edição, pelos Estados brasileiros, de seus Códigos de Processo Civil, onde fizeram notar o apreço por esse instituto, já que a maioria desses ordenamentos adjetivos dedicaram espaço ao juízo arbitral (v.g. Rio Grande do Sul, Rio de janeiro, São Paulo).

Curioso notar que, em alguns casos, como o do Estado de Minas Gerais, as regras positivas de constituição do juízo arbitral apareciam logo no artigo primeiro, como que n’uma indução à utilização desse instituto para fugir ao processo judicial.

Em 1916, é promulgado o Código Civil que confere contornos jurídicos ao compromisso, instrumento legal hábil a derrogar a justiça estatal em benefício da jurisdição arbitral.

Com a Constituição de 1934, de 16 de julho, a arbitragem retorna aos preceitos maiores em toda sua plenitude, ao ser assegurada à União competência para legislar sobre normas fundamentais deste instituto, no campo das controvérsias comerciais.

Contudo, teve essa Carta vida muito curta e, em 10 de novembro de 1937, ascende nova Constituição Federal no cenário jurídico nacional mas, desta vez, marcada pelo total desprezo ao instituto.

O retrocesso foi tão marcante que a Constituição de 1937 chegou a extinguir os juízos arbitrais constituídos para pôr termo a conflitos territoriais entre os Estados brasileiros, mesmo que a iminência de emissão do laudo.

A Constituição de 1946, de 18 de julho, queda silente quanto à arbitragem entre particulares e, praticamente, reintroduz o dispositivo previsto na Carta de 1891, que propugnava pela saída arbitral como passo necessário a evitar o conflito armado.

A Carta Magna de 1946, não altera, tampouco estabelece novos preceitos voltados à arbitragem, mantendo a mesma norma expressa no § 4º do art. 141 da Constituição de 1946.

Em 1973, entra em vigor o novo Código de Processo Civil que manteve, basicamente, os mesmos dispositivos sobre o Juízo arbitral previstos no CPC de 39, ampliando-os, contudo, de 16 para 31 artigos.

A atual Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, é mais condescendente com o instituto arbitral, pois a ele se refere no § 9º inciso VII do art. 4º, ao mencionar que o País deve basear-se nas relações internacionais pelo princípio da solução pacífica dos conflitos e no § 1º do art. 114, ao possibilitar sua utilização para resolver o impasse gerado ao frustrar-se a negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores.

Mormente, deixa claro no seu preâmbulo estar comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, de modo a assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e da justiça, como valores supremos.

5. Obstáculos e Preconceitos à Implementação do Instituto no Brasil

Nesse tópico, cabe abordar os verdadeiros empecilhos que, ao longo do tempo, seja por determinação legal ou por construção doutrinária e jurisprudencial, foram aqui plantados e que resultaram na inviabilização da prática do instituto do Brasil.

A par os obstáculos “visíveis”, outros, de caráter psicológico ou cultural, também fizeram-se sentir contra a implementação da arbitragem, ressaltando-se a tendência nacional de se apegar ao Estado para a ele reportar todas as mazelas da sociedade, mesmo aquelas cuja solução não era da relevância do papel estatal.

A estatização processou-se de tal forma no Brasil que o Estado avançou na jurisdição privada, tão forte e marcante, que as funções se diluíram no espaço, sucumbindo o particular a uma evidente e absoluta intervenção estatal.

O indivíduo perde sua essência, capitula frente ao Estado, pai-de-todos. Não há que se falar em autonomia da vontade, porque o intervencionismo se faz em prol do social. O Estado extrapola suas funções na economia com base no caráter ou sentido público dessa ciência.

Vive-se o primado do Estado sobre o indivíduo, com o consequente esquecimento do princípio da autonomia da vontade, que não se identifica com os anseios da nação.

Vige o paternalismo estatal em todas as esferas e segmentos da sociedade que, de tão acentuado, arraiga-se no inconsciente coletivo, redundando em exigência dos indivíduos junto ao poder estatal para solucionar todos os males que os afligem.

Perde a coletividade o contato com as suas próprias iniciativas, não mais identificando-se com o princípio basilar do cidadão, viz a autonomia da vontade.

Diante desse cenário, não é de se estranhar que a arbitragem, calcada também na liberdade de contratar, não conseguisse ganhar campo no Brasil. O primado do Estado não suporta a justiça privada. O protecionismo estatal não admite tribunal constituído pela vontade única das partes. Só o Estado é hábil para solucionar as questões que envolvam seus jurisdicionados. Frente à força do pai-de-todos, o indivíduo acomoda, capitula, e acha-se até incapacitado de resolver suas próprias dificuldades.

Nesse ambiente de fraqueza psicológica do indivíduo, difícil o desenvolvimento de um instituto que tem origem na liberdade de contratar, corolário da autonomia da vontade, onde a independência do cidadão é absoluta, atrelado está, tão-somente, aos seus propósitos e íntimos interesses pessoais.

Não é sem luta que se introduz em um sistema legal como o brasileiro a cultura da arbitragem. Porque é preciso mudar o inconsciente da coletividade, e essa alteração se perfaz com muito embate, abnegação e corpo-a-corpo, pois não é fácil suplantar essa cultura já acomodada, pois a luta deve ser diária.

Entretanto, os novos ventos que sopram renovam as esperanças e a inaptidão do Estado corrobora o propósito da reversão cultural, de modo a assegurar o exercício da liberdade pelo cidadão, que passa a ser também responsável pelo melhoramento social, angariando para si parcela do sucesso da comunidade, assim como da culpa pelos reflexos negativos que a inoperância acarreta.

Enfim, vive-se hoje sob a égide do primado do indivíduo, ou da coletividade, como querem alguns, ambiente este que, implicitamente, cooperou para a promulgação do novo ordenamento legal arbitral no Brasil.

A Lei nº 9307, de 23 de setembro de 1996, introduziu institutos de vanguarda e suprimiu todos os obstáculos legais ao pleno desenvolvimento da arbitragem no Brasil, como a ineficácia da cláusula compromissória e a necessidade de homologação do laudo arbitral.

Por se lei de cunho ordinário, não se imiscuiu com os preceitos de caráter constitucional, como o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, mas, tampouco era preciso, pois essa norma legal, como adiante se verá, em nada se contrapõe à arbitragem.

Cumpre, pois, passarmos às considerações quanto aos três principais empecilhos ao desenvolvimento do juízo arbitral no Brasil.

5.1. Cláusula compromissória

A cláusula compromissória, pacto prévio ou cláusula arbitral é a convenção preliminar pela qual as partes ajustam a solução da eventual disputa que se originar do contrato onde está ela inserta, pela via da arbitragem.

Por essa estipulação escrita, acordam os contratantes em conferir aos árbitros a competência para dirimir o conflito de interesse que vier a ocorrer entre as partes, resultante da execução do contrato.

É obrigação de fazer, assumida pelos pactuantes, que se responsabilizam por emitir nova declaração quando do surgimento da controvérsia, que se consubstanciará na assinatura do compromisso, onde deverá estar especificado, fundamentalmente, o objeto da disputa.

A cláusula compromissória gera, pois, entre os contratantes, o desprezo pela jurisdição ordinária e sua consequência derrogação, em benefício da justiça privada – “justiça dos experts“. Obrigam-se, assim, a submeterem a solução da pendência ao crivo exclusivo dos árbitros.

Essa convenção, aparentemente inofensiva, em razão de seus efeitos políticos e desestatizante – afasta o julgamento da questão pelo poder estatal revertendo-o à jurisdição particular – atraiu os olhares dos estudiosos e doutrinadores que passaram a comportar-se em polos opostos, adotando uns a linha negativista e, outros, a corrente positivista, no que tange á natureza jurídica da cláusula compromissória.

Para estes últimos, a contratação de cláusula da espécie, como qualquer outra, obriga as partes, conferindo força coercitiva em caso de renitência na assinatura do compromisso.

Nesse sentido, caracteriza-se esse pacto por uma real e independente figura jurídica, com eficácia no mundo legal, servindo como instrumento válido para opor-se àqueles que, tendo-o subscrito, procuram buscar o juízo ordinário para, assim, fugir ao juízo arbitral.

Contudo, para os negativistas, a cláusula compromissória não traz em si eficácia ou poder suficiente para dela extrair-se qualquer resultado, pois é ela vista sob a prisma negativo do facere. Não tem força coercitiva, porque ineficaz a obrigação assumida no pacto prévio.

Esse foi o entendimento que preponderou no Brasil e que primeiro se extraiu de nosso próprio ordenamento legal, mais precisamente da regra contidas no artigo 9º, do Decreto n º 3900, de 26 de junho de 1867, verbis:

“A cláusula de compromisso, se a nomeação dos árbitros ou relativas a questões eventuais, não vale senão como promessa e fica dependente para a perfeição e execução de novo e especial acordo das partes, não só sobre os requisitos do art. 8º, senão também sobre as declarações do art. 10º”.

Com esse dispositivo, arraigou-se na cultura jurídica nacional o entendimento de que a cláusula arbitral configurava mero pacto de contrahendo, sem qualquer eficácia legal.

Essa tendência exacerbou-se com o posicionamento rígido de Waldemar Ferreira, Alfredo Bernardes e Eduardo Espínola, para quem a cláusula não produzia qualquer obrigação civil para a parte contratante, acarretando, tão-somente, dever de ordem moral. Era ela inútil, inócua e sem força obrigacional.

No lado oposto, seguindo a corrente positivista, Álvaro Mendes Pimentel foi o brasileiro mais ardoroso na defesa de plena eficácia e força coercitiva da cláusula arbitral, tendo dedicado ao tema a obra Da Cláusula Compromissória no Direito Brasileiro, editada em 1934.

O Judiciário, à época, teve a oportunidade de manifestar seu ponto de vista sobre a questão, alinhando-se à corrente negativista, como nos dá conta Álvaro Mendes Pimentel,7 de uma disputa entre duas sociedades estrangeiras – belga e norte-americana – cuja decisão prolatada pelo Tribunal da Corte de Apelação do Distrito Federal, foi assim encaminhada pelo relator Sá Pereira:

“Reconhecer validade à cláusula que lhes dá tamanho poder seria permitir a estrangeiros, em se tratando deles, riscar do Código Civil o artigo 13, parágrafo único, n. I, e pelo pacto de compromittendo desaforar para a justiça irregular e privada de seus co-nacionais, a solução das dúvidas sobrevidas na interpretação dum contato celebrado no Brasil e exequível no Brasil, e que a nossa lei não permite se desafore para a justiça regular e pública de seu pais. O Brasil não é um país de capitulação. Já o foi. Nunca mais o será. Mas, nesse regimento, pelo qual as soberanas partes impõem às suseranias de lei, dentro do seu próprio território, um juiz de sua nacionalidade que elas nomeiam, e a quem pagam, para julgar as causas em que os seus súditos são interessados, se pressupõe ao menos uma investidura regular, uma delegação da soberania do pais a que o fraco pôr um tratado se submeteu.

De salientar, como conclusão do contido no voto do relator, retro transcrito, o aspecto jurídico dos efeitos da estipulação compromissória foi abafado pela exacerbada salvaguardas de nossa soberania.

Digna de registro, contudo, a sustentação de despacho do Juiz Cesário da Silva Pereira, de 26 de agosto de 1922, que acata a exceptio declinatória fori em razão de cláusula compromissória que, apesar de confirmada pela

Primeira Câmara do Colendo Tribunal, não foi admitida pela Segunda Câmara da Corte de Apelação.8 Essa decisão, embora não tenha prevalecido nos tribunais da época, vale ser transcrita pela erudição com que os positivistas defendiam a validade do pacto prévio:

“A cláusula compromissória não é, assim, uma excrescência nos contratos. Constitui, na realidade um negócio jurídico perfeito, para cuja compreensão, na sua substância, ou nos efeitos, não devem ser desprezadas as luzes da doutrina e da jurisprudência que invoquei na minha decisão e que o recorrente só abandona por estar no falso pressuposto de que o Código Civil haja desconhecido a instituição.

Sendo uma expressão de vontade unilateral, valendo como uma promessa de resolver, por meio de arbitramento, as questões que resultem dos contratos, a clausula compromissória constitui fonte de obrigações, devendo pelo promitente ou ofertante ser sempre mantida e cumprida.

Deixando-a a lei dependente, para sua execução, de novo e especial acordo das partes, não lhe tirou qualquer eficácia, considerada em si mesma, como pensa o recorrente, pois é evidente que, nessa hipótese, teria começado por não estabelece-la.

Com a disposição contratual da cláusula 10ª, – renunciaram, sem dúvida, as partes associadas à jurisdição ordinária para fixação da inteligência da convenção, pois que não se renuncia só com o pacto d instituição do juízo arbitral, mas também com a promessa de o instituir, ‘conforme mostrei na sentença transcrita pelo agravante na sua minuta, com as opiniões de Mortara, Windscheid e C.Baldi, e o diz o próprio recorrente transcrevendo um texto de Pandectas Francezas, no qual se entende que pela clausula compromissória, as partes se despojam, na realidade, do direito de se dirigir à jurisdição dos Tribunaes Ordinários au profit de la jurisdiction arbitraire…

Já dizia Bonfante em 1905, que podíamos com ânimo tranquilo ceder às novas tendências e que desengorgitar as cortes de justiça, confiar as pendências industriais, pela razão dum tecnicismo sempre crescente, aos juízos de peritos, obrigando-se as partes a respeita-lo, eliminar a lentidão e a despesa de um processo “sono vantaggi cui non giova rinunciare próprio ai nostri giorni facendo um salto indietro dal clássico diritto di Roma ‘acrescentando que nesse sentido é mais auctorizado e recente doctrina”.

“Eu mesmo, já tive necessidade de fazer resolver por árbitros privados, cujo laudo me limitei a homologar com aprovação dos Tribunales Superiores, certa questão submetida à minha apreciação e julgamento, por isso que, pelos conhecimentos que reclamava, menos de um magistrado que de um pratico do comércio, não podia eu faze-lo com certeza de verdade e justiça”.

A partir de 1930, a posição extremada, defendidas por Waldemar Ferreira, é flexibilizada pela posição manifestada por Clóvis Beviláqua em parecer emitido, na qualidade de consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, sobre o Protocolo de Genebra, datado de 1923, relativo às Cláusulas Arbitrais.

Na oportunidade, ressaltava o insigne jurista e autor do Código Civil, estar a matéria reguladas pelo Decreto nº 3.900, de 1867, pelo Código Civil, arts. 1.037 a 1.048 e pelas leis processuais dos Estados, e assegurava que tais normas não colocavam em relevo a cláusula compromissória, o que dava azo à dúvida quanto aos efeitos desta estipulação contratual: se tinha força para criar impedimentos para que o juiz comum pudesse julgar, quando provocado por uma das partes, ou se era simples expressão da obrigação de fazer, que traçaria norma, tão-somente, aos pactuantes e não aos membros do Poder Judiciário.

Na opinião de Beviláqua perdeu a chance, o momento histórico, para dar novo rumo ao sistema arbitral no Brasil, como já vinha ocorrendo no exterior, seu parecer serviu como fonte de nova interpretação da cláusula compromissória, passando a doutrina e a jurisprudência a admitir o recurso, pela parte não faltosa, à solução por perdas e danos, a míngua da execução forçada da obrigação.

Contudo, essas perdas e danos deveriam, de antemão, estar previstas no contrato, expressamente, como estipulação penal, já que de difícil o impossível apuração, a posteriori.

Foi esse o posicionamento vivido e adotado no Brasil até o momento da edição da Lei Marco Maciel, não obstante o movimento doutrinário que se fazia sentir anteriormente, no sentido de se prestigiar a cláusula compromissória, emprestando-lhe força coercitiva, em linha, inclusive, com as alterações ao Código de Processo Civil, de forma a assegurar a efetividade do processo, onde o princípio de que, nas obrigações de fazer, com raras ressalvas, o inadimplemento redunda em perdas e danos, foi revertido, tornando-se exceção, que somente deve ser priorizada se esgotado, sem sucesso, todos os meios e formas de se atingir o resultado prático pretendido pela parte.

Nessa linha tínhamos o ilustre Desembargador Cláudio Vianna de Lima, os Profs. Celso Barbi Filho e Carlos Alberto Carmona, e o signatário do presente estudo. A nível de Tribunal estatal, dois Ministros do Superior Tribunal de Justiça tinham, de certo modo, chancelado esse entendimento, ao admitir não haver distinção prática entre os institutos da cláusula compromissória e do compromisso, sendo-lhes atribuídos os mesmos efeitos legais (R.Esp. n° 616-RJ, DJ de 13.08.1090).

5.2. Homologação da sentença arbitral

Andou muito bem o legislador nacional ao suprimir esse entrave à evolução da arbitragem, pois, além de ir contra a decantada celeridade do procedimento, aniquilava outra de suas vantagens, i.e., a confidencialidade.

Mero giudizio di delibazione, que visa apreciar, unicamente, as formalidades necessárias à validade da sentença arbitral, é a homologação ato inócuo e desnecessário, pois defeso ao juiz reexaminar o mérito da questão.

De salientar eu, se a própria parte pode cumprir, espontaneamente, o laudo arbitral, independentemente de homologação judicial, é razoável – e até desejável – que a lei ordinária suprima essa formalidade.

Até o advento da Lei nº 9307/96, a homologação da sentença proferida pelo árbitro era condição para que produzisse, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença judicial sendo certo que, no caso de a decisão impor condenação à parte faltosa, a sentença homologatória conferia à sentença arbitral eficácia de título executivo.

Tal era necessário pois, no sistema legal anterior à edição da referida lei, o laudo não continha valore di senteza passata in judicato, que várias legislações estrangeiras, como a alemã, já contemplavam.

Nesse sentido, a solução das pendências submetida à arbitragem, de acordo, com a regra do CPC, até então vigente, não se esgotava com as sentenças proferidas pelo árbitro, pois duas fases faziam-se sentir: a que resultava da assinatura do compromisso, que correspondia à análise e decisão das controvérsias pelo juízo arbitral e a outra que redundava da lei, que consubstanciava a homologação do laudo pelo juiz togado.

A homologação da decisão proferida pelo competente órgão privado não precisava, forçosamente, ser homologada, bastando, para tanto, que o compromitente mantivesse a boa-fé e cumprisse o decidido, de forma espontânea.

Dar-se-ia, nesse caso, a execução voluntária do laudo arbitral, pois cumprido pela parte, antecipadamente à homologação, e sem a necessidade desta, conforma-se o devedor com o sentenciado pelo juízo privado e, dessa forma, despreza-se a intervenção formalística do Poder Judiciário.

Contudo, recalcitrante a parte vencida ou receosa o compromitente vencedor, deveria o laudo ser encaminhado ao juiz competente (aquele que originariamente tocasse o julgamento da causa) para que fosse providenciada a homologação, para os fins de direito.

Era, como ilustra o Desembargador Cláudio Vianna de Lima, retorno à via engarrafada, após ter o indivíduo optado por uma avenida livre e desembaraçada de tráfego, que seria a arbitragem. Isso para cumprir mera formalidade, já que no giudizio di delibazione ao juiz é vedado reexaminar o mérito da questão.

É juízo de caráter administrativo, consistente na revisão das formalidades necessárias à validade do laudo arbitral, atinentes, pois, ao compromisso e à prestação jurisdicional executada pelo juízo arbitral, sem oportunidade, entretanto, de apreciar as questões de fundo.

Como bem esclarece Amílcar de Castro,9 verbis:

“No juízo de homologação, o magistrado, para autorizar a observância do laudo apenas cuida de averiguar se foram obedecidas todas as formalidades legais. Pela sentença homologatória, o laudo não sofre alteração, nem deixa de ser laudo; permanece como foi lavrado; e o juiz não colabora em seu valor intrínseco, apenas lhe ajunta uma valorização extrínseca, de que tem precisão para ter vigor e efeitos. O juiz, ao homologar a decisão arbitral não controla o mérito (fato alegado por uma parte e contestado pela outra), ou a justiça do julgado; limita-se a fiscalizar a existência e o exercício do poder atribuído ao árbitro pelo compromisso. Por conseguinte, no juízo de homologação, nada se encontra de contencioso. O laudo arbitral é que tem por objetivo a composição de uma lide; ao passo que a homologação nada tem com essa composição; o juiz se limita a verificar se as formalidades prescritas pela lei foram, ou não, observadas, sem que possa rejulgar o que foi julgado pelo árbitro, ou alterar nalgum ponto o mérito das questões de fato”.

Não é sem razão que Castro Nunes assim se manifestou, em parecer juntado aos autos de medida judicial em que se discutiu, dentro outras, a dispensa de homologação,10 verbis:

“O Juízo Arbitral constitui uma jurisdição paralela à da Justiça ordinária e as suas decisões são equivalentes a dos juízes oficiais coisa julgada e são oponíveis, por isso mesmo, como exceção à renovação da lide perante aquelas Justiças, devendo, por isso, valer independentemente de homologação. Além do mais, a homologação é formalidade inútil, sobretudo quando se recusa o recurso nos casos limitados aos aspectos formais ou extrínsecos do julgamento, o que leva ao mesmo resultado da homologação, onde o juiz também está confirmado ao exame dessas formalidades, sem entrar no mérito da decisão. Dias Ferreira, citado por Castro Nunes, depois de observar a formalidade, …acentua que, atendendo à sua inocuidade, o C.Pr. Civil português e aboliu”.

Não configura qualquer ilegalidade a dispensa de homologação, pois contribui para acelerar o cumprimento da decisão arbitral, mantém a confidencialidade da questão e conserva, ainda, à parte insatisfeita, o direito de arguir, no Judiciário, eventual nulidade da arbitragem, de conformidade com o art. 33 da Lei Marco Maciel.

Por sinal, é esse o entendimento unânime esposado pelo Pleno do STF -, Agravo de Instrumento nº 52.181 – GB, RTJ, p.385 – em voto do Ministro Bilac Pinto, que restou por contrair interesse da própria União Federal, que buscava impugnar a execução do laudo arbitral por ausência de homologação.

Suprimido esse ato burocrático, natural que a Lei nº 9307/96 viesse a atribuir ao laudo arbitral os efeitos legais de uma sentença judicial, inclusive o condenatório.

É esse o tratamento dado à decisão arbitral nos demais sistemas jurídicos onde a arbitragem é difundida e de grande valia.

Importante ressaltar que o legislador nacional, coerentemente, também acabou com a necessidade da dupla homologação nos casos de laudo estrangeiro.

Não mais necessária a homologação no juízo de origem, do local onde se realizou a arbitragem (place of seat), até porque, como é sabido, em praticamente todos os sistemas legais, essa formalidade é desconhecida e, por conseguinte, impraticável o atingimento desse requisito legal pela parte que pretenda acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para obter o reconhecimento ou a execução de decisão arbitral estrangeira. Nos casos da espécie, basta a simples e única homologação pelo STF.

Constituiu obstáculo à execução ou reconhecimento das sentenças arbitral estrangeira, a necessidade de homologação, pelo juízo ordinário local, do laudo proferido pelos árbitros.

Vários foram os casos onde foi negado exequatur pelo STF pela ausência dessa burocrática formalidade.

Nesse sentido, podemos transcrever duas ementas de decisões desse teor jurídico:

“Sentença estrangeira. Pedido de homologação negado.

Proferidas a decisão por Juízo Arbitral, órgão privado, – American Arbitration Association – sem homologação de qualquer Tribunal Judiciária ou Administrativo, no país de origem, não merece a homologação pelo Suprema Tribunal Federal. Indeferimento” (RTJ, vol. 54, p.714).

“Sentença estrangeira. Decisão proferida por Juízo Arbitral, sem haver sido homologada por Tribunal do país de origem. Pedido de homologação indeferido.” (TRJ, vol. 60, p.38). ”

No entanto, já àquela época, a communis opinio doctorum era acorde em admitir o desprezo pela homologação do laudo no país de origem, quando a legislação deste Estado soberano não o exigisse ou não a previsse expressamente. Nesse caso, a parte deveria provar o que dispunha a legislação local.

Era esse, inclusive, o entendimento do STF, como demonstrou o Ministro Thompson Flores em trecho do seu voto proferido no julgamento da SE nº 1.982 – USA, a saber:

3. Certo poderia ser examinada a hipótese de dispensar a homologação da justiça americana, a que foi proferida pelo Juízo Arbitral.

Era mister, todavia, ao menos, se fizesse prova do direito em questão, nos termos do art. 212 do Código de Processo Civil, o que não se fez, quiçá porque suas normas foram apenas afloradas, nelas se não fundamentado o pedido.

5.3. A exclusão do acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988)

5.3.1. Introdução

Sem embargo de a matéria em questão ter gerado polêmica jurídica no passado, certo é que há muito havia sido sepultada pelos juristas nacionais com o próprio suporte da nossa mais Alta Corte de Justiça.

Contudo, para nosso espanto, o tema volta à tona, de tempos em tempos, reavivado por alguns que buscam fugir aos efeitos da cláusula compromissória e outros tantos desavisados que, embora de boa-fé, relutam em interpretar o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” – com a visão finalística que a norma legal impõe.

Contudo, como adiante procuraremos demonstrar, essa controvérsia não deverá prosperar, visto tratar-se de questão natimorta.

Senão, vejamos!

O dispositivo em apreço foi incluído, pela primeira vez, a Constituição Federal (CF) de 1946 e mantido nas Cartas de 1967 e de 1988, com a redação acima.

Até o início de vigência da CF de 1946, o principal argumento em que se baseavam a parte rebelde e os julgadores para negar eficácia legal à cláusula contratual que determinava a soluça de todo e qualquer conflito entre as partes contratantes pela via arbitral, era o de que essa previsão contratual consubstanciava mera obrigação de fazer e que, per se, não comportava o suprimento da obrigação da parte recalcitrante por ato judicial.

Caberia ao contratante inocente, quando muito, buscar o ressarcimento do prejuízo causado pela parte inadimplente, através das perdas e danos, sujeitando-se, no mais das vezes, ao insuperável ônus das prova.

Com o advento da Carta Magna de 1946 e da convolação de um princípio jurídico em norma legal expressa (atual art. 5º, XXXV, CF de 1988), armaram-se os oposicionistas de mais um fundamento para negar a eficácia da cláusula arbitral e, em consequência, obstruir o implemento da arbitragem no Brasil.

É desse dispositivo constitucional que vamos tratar nas linhas que a seguir traçamos, de modo a demonstrar o descabimento de sua utilização como argumento para inviabilizar o caminho da via arbitral no país.

5.3.2. Teologia da regra constitucional

Merecem algumas considerações a norma constitucional em questão que, a nosso ver, vem sendo inadequadamente aplicada para o fim de impedir o uso da arbitragem e invalidar a cláusula que estabelece a solução da pendência por essa via pacífica de justiça.

Para melhor interpretar esse dispositivo legal, há que se buscar a razão histórica do seu surgimento para adequá-lo aos seus exatos limites.

Veio ele à luz, erigido em preceito constitucional, com o advento da CF de 1946. Reconhecimento de cunho liberal, tal Carta objetivou pôr fim a um período ditatorial, onde inquéritos policiais e parlamentares eram levados a efeito sem que os envolvidos tivessem assegurado, no mais das vezes, direitos e garantias mínimas, tais como o contraditório e a ampla defesa.

As conclusões dos inquéritos eram finais e impositivas, sendo velado ao Judiciário o reexame da questão, privando o cidadão, consequentemente, de direitos basilares reconhecidos nos países democráticos.

Como esclarece Brandão Cavalcanti, a menção a lei refere-se à tendência de certa legislação do regime constitucional de 1937, que excluía de apreciação judicial as providências nela consagradas; o interesse público servia de fundamento àquelas medidas.11

Até 1946, nenhuma das Constituições brasileiras previu expressamente esse princípio, por desnecessário, já que estava implícito no ordenamento legal pátrio que o exercício abusivo do poder ou o desequilíbrio entre os três poderes não se coaduna com o Estado de direito, democrático. Contudo, os Constituintes de 1946, cautelosos e cientes das arbitrariedades cometidas durante o regime ditatorial, preocuparam-se em deixar bem clara a impossibilidade de o legislador suprimir de todo, e de modo unilateral, o direito de o cidadão recorrer ao Poder Judiciário.

Note-se que o que estava em questão não era a opção dada ao particular de utilizar-se do Judiciário ou do Juízo Arbitral para solucionar seus conflitos, mas, sim, a total proibição de escolha; o que é pior, a vedação de o cidadão acessar o Judiciário para fazer valer seus direitos, seja diretamente, no primeiro momento, ou indiretamente, em caráter subsidiário à decisão do órgão administrativo parajudicial.

Desse modo, os legisladores de 1946 entenderam por bem deixar assinalado de forma didática, naquela Constituição, mesmo que desnecessário, a regra hoje insculpida no art. 5º, XXXV, da CF de 1988.

Corroborando essa opinião, assinala Brandão Cavalcanti que, “acharam os Constituintes de 1946, que deveria esta recomendação ficar expressa, embora pudesse o seu cumprimento, como se procedia anteriormente, estar subentendido, e decorrer do próprio mecanismo do sistema judicial de garantias individuais”.12

Sem sombra de dúvidas que o dispositivo constitucional teve por finalidade, pois, liquidar de vez como o hábito das Comissões e Conselhos extra constitucionais, quase legislativos e quase judiciais, cujas questões eram apreciadas e decididas de forma sumária, sem qualquer possibilidade de interferência pelo Poder Judiciário.

Como bem leciona Pontes de Miranda, o objetivo do inciso XXXV, art. 5º da atual Constituição, foi educar as próprias autoridades governamentais, já que é para elas que se direciona o princípio – “dirige-se ela aos legisladores: os legisladores ordinários nenhuma regra jurídica podem editar que permita preclusão em processo administrativo, ou em inquérito parlamentar, de modo que se exclua a cognição pelo Poder Judiciário”.13

Visa essa norma constitucional coibir abuso de direito, ato arbitrário ou ilegal por parte de qualquer autoridade, e somente nesses casos deve ser acionada. Objetiva socorrer ou proteger o cidadão de eventual abuso cometido pelo Executivo ou Legislativo como, aliás, ocorre em qualquer democracia; democracia essas que admitem, e até incentivam, a plena utilização da arbitragem como mais um meio de acesso a tão almejada justiça.

Por sinal, em países como a Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Argentina e Chile vigora a arbitragem obrigatória ou compulsória, onde determinadas questões de direito privado devem ser resolvidas, necessariamente, por arbitragem.

Desde que não violado o sistema de revisão judicial, em casos determinados, não cremos possa ser essa prática tida como inconstitucional, se introduzidas no sistema jurídico brasileiro.

Ora, claro está que o instituto arbitral não viola a regra constitucional sub examen, até porque, como anteriormente também previsto no CPC, a Lei Marco Maciel possibilita o controle da decisão dos árbitros pelo Judiciário, nos casos relevantes de nulidade.

A arbitragem é, tão-somente, meio convencional de soluça de conflitos, baseado no consenso das partes.

Certo pois que, no âmbito da autonomia da vontade, podem as pessoas renunciar os direitos disponíveis de que são titulares e, naturalmente, submeter as controvérsias à apreciação de Juízo Arbitral. Até porque, ao renunciar ao direito político contido no inciso XXXV do art. 5º da CF fazem-no, deliberadamente, em prol de outros direitos, também relevantes e fundamentais, de caráter econômico.

Peça essencial na economia é a pessoa, jurídica ou física, mola mestra do desenvolvimento e organização estatais, gerando empregos, pagando tributos e encargos, aprimorando as técnicas e os conhecimentos. Como resultado do exercício da liberdade de iniciativa – princípio elevado ao nível constitucional – as pessoas tornam-se proprietárias de bens e detentoras de direitos intelectuais, comerciais e industriais que a CF assegura e garante como direito individual fundamental.

Em caso de conflito, a proteção desses direitos – de caráter econômico – em determinados casos, estará melhor afirmada se submetidos à decisão arbitral (“justiça dos técnicos”) onde, inclusive, impera a confidencialidade; não raro é esta condição sine qua non à sobrevivência econômico-financeira do detentor do direito em questão.

5.3.3. Pareceres de comissões do Congresso Nacional e a posição da doutrina

Durante sua tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 4018/93 que redundou na Lei nº 9307/96, de autoria do então Senador Marco Maciel, submeteu-se ao exame do Colegiado das Comissões de Constituição e Justiça do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

Em ambas as comissões, foi o projeto aprovado, por unanimidade, por sua constitucionalidade e juridicidade, não obstante estipular ser a cláusula arbitral suficiente para afastar o exame de pendência pela justiça ordinária, com a consequente extinção do eventual processo judicial, sem julgamento do mérito.

Nesse sentido, vale transcrever trechos do voto do ilustre Deputado Régis de Oliveira, relator do referido projeto de lei na Comissão de constituição e Justiça e Redação da Câmara dos Deputados, que assim enfrentou a questão:

“Impõe-se a análise de um primeiro que diz respeito à constitucionalidade do projeto. Não atingiria ela a jurisdição, de forma a infringir a Constituição das República?…a resposta é negativa… O instituto da arbitragem é, não só uma exigência moderna, como não atinge o monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário. Ao contrário, é mais uma oportunidade de participação leiga na prestação da justiça… no caso de arbitragem, as relações jurídicas resolvem-se pela livre vontade das partes. Enquanto não há invasão ao direito que deva ser solucionado pela intervenção do Estado, o Estado mantém-se alheio à demanda… Vê-se, claramente, que não há superação do Poder Judiciário. Ao contrário, é ele chamado, convocado, sempre que houver necessidade de invasão da esfera jurídica íntima de uma das partes da cláusula compromissória. …Não há , como se percebe, qualquer inconstitucionalidade no projeto, em relação à quebra da cláusula pétrea…Caso inocorra qualquer dúvida sobre o direito e as partes aceitem a solução sem qualquer controvérsia, saneia-se o problema como qualquer outra decisão dadas entre as partes. SE estes concordam na solução, opera-se a pacificação da lide ao lado do Judiciário. Nem se pode dizer que a decidibilidade social seja menor importância que a judicial. As lides são compostas amigavelmente, o que acelera o processo decisório e de pacificação. Apenas no confronto é que se busca o Judiciário. É o caso do projeto em tela. Tal como as lides são pacificadas socialmente, da mesma forma busca-se o árbitro informal para solução das pendências. Enquanto a solução é buscada e encontrada informalmente, o Judiciário mantém-se ao lado dela, mas permanece como poder, sobranceiro e à disposição das partes, para a solução da querela, quando do conflito e quanto dele decorrer lesão ou ameaça de lesão.”

A doutrina pátria também tem se manifestado contra a sujeição do juízo arbitral ao preceito constitucional em questão.

Para Pontes de Miranda “houve quem entendesse que o juízo arbitral é incompatível com o art. 153, § 4º, da Constituição de 1967, com a Emenda nº 1; mas isso foi repelido, como deveria ter sido (Constituição Federal, 5ª Câmara Cível do TJ do Distrito Federal, 29.01.1952, DJ de 28 de julho) – grifamos.14

O emitente Hamilton de Moraes e Barros é incisivo no tocante ao assunto em pauta:

“Constitui erro grosseiro de direito dizer-se que a Constituição proibiu o juízo arbitral, quando, no art. 153, § 4º, declara que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual. Nem a Constituição atual nem as que a antecederam contêm essa proibição. Ao juízo arbitral podem recorrer as partes, se o preferirem à jurisdição estatal, para a solução de suas controvérsias. O que as Constituições não admitem, nem toleram, é que os indivíduos e pessoas, ainda que queiram, não possam recorre ao Poder Judiciário, porque a lei tenha fechado esse caminho. Ao prever o juízo arbitral e ao discipliná-lo, não esta a lei excluindo a lesão ao direito individual, ou pessoal, de apreciação do Poder Judiciário. Está apenas, oferecendo às pessoas mais um meio – facultativo – de acertarem as suas relações”.15

Segundo Acentua Octavio Bueno Magano, “não há qualquer óbice constitucional ao funcionamento da arbitragem voluntária … Com efeito, a jurisdição só se mostra inevitável quando provocada por um dos sujeitos de um litígio. Mas se ambos os litigantes concordam em pôr de Aldo, preferindo solução d justiça privada, jamais se poderá dizer que ficaram despojados do juiz natural”.16

De acordo com Celso Neves, “parece razoável seja (a arbitragem) exercitada, aliviando-se com isso o Poder Judiciário, que só age substitutivamente. Todos nós sabemos que a atuação do Poder Judiciário é uma atuação meramente substitutiva; ele atua na media em que não haja possibilidade da composição suasória dos conflitos”.17

No entender do ilustre Desembargador Cláudio Vianna de Lima, “pelo Projeto Legislativo (PL 4018/93) em apreço, o controle judicial é previsto através de dois mecanismos, conformados, ambos, à garantia constitucional do art. 5º, XXXV, já referido: da ação da nulidade (art. 33) e da ação de embargos de devedor”.18

Por se turno, assevera a nobre Dra. Vera de Paula Noel Ribeiro, “ao prever o juízo arbitral e ao discipliná-lo, não está a Lei excluindo a lesão ao direito individual, ou pessoal, de apreciação do Poder Judiciário. Está apenas oferecendo às pessoas mais um meio – facultativo – de compor seus conflitos. Uma coisa é facultar que as pessoas percorram outros caminhos para a composição de suas relações e outra é afasta-las, de modo imperativo, do direito à jurisdição estatal”.19

Jaime Guasp. em seu “Derecho Procesal Civil” 20 , adverte que ” el arbitraje no constriñe a los litigantes en función del poder coactivo del Estado sino por el acuerdo libre de sujetarse al pronunciamiento de un juzgador privado“.21

Hugo Alsina, em seu Tratado.22  Sustenta que “es función del Estado moderno la de administrar justicia, pero su intervención, en virtud del principio de que nadie puede hacerse justicia por mano propia, es impuesta solo en el caso de que las partes no lleguem a un acuerdo para la solución de sus diferencias (trasacción) o sobre el modo de solucionarlo (arbitraje), desde que mediando ese acuerdo, no se haya comprometido el orden publico…23

5.3.4. O entendimento jurisprudencial

No julgamento do RE nº 56851-GB, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de apreciar e julgar a legalidade do Juízo Arbitral, tendo o Ministro Amaral Santos manifestado que: “atendendo a que, como se viu, a decisão do Juízo Arbitral, que é sentença, e transitou em julgado, reconheceu ser o Espólio credor, e não devedor da União…cabe à União pagar ao Espólio ou às Empresas o que a cada um for devido“.24

Conclui, pois, o eminente julgador, acompanhado por seus pares, que a decisão arbitral foi válida, eficaz e capaz de produzir os efeitos de direito, com a sujeição da parte perdedora – União Federal – aos seus consectários legais.

Tempos depois, o mesmo STF foi instado a julgar, uma vez mais, a constitucionalidade do Juízo Arbitral, questão essa que foi apreciada em sessão plenária e, por unanimidade, decidiram seus Ministros pela “Legalidade do Juízo Arbitral, que o nosso Direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda. Precedente do STF.25

Interessante transcrever trechos do voto do Min. Relator Bilac Pinto que, por sua vez, fez suas as palavras do ilustre Ministro do Tribunal Federal de Recursos, Godoy Ilha, quando do julgamento da questão objeto do acima referido RE nº 56851 (GB)

“Na tradição do nosso direito, o instituto do Juízo Arbitral sempre foi admitido e consagrado… pensar de modo contrário é restringir a autonomia contratual do Estado, que, como toda pessoa sui júris, pode prevenir o litígio pela via do pacto de compromisso, salvo nas relações em que age como Poder Público, por insuscetíveis de transação”.

O Ministro Rodrigues Alckmin, após vista dos autos, assim expressou seu entendimento quanto à matéria:

“Os conflitos de interesse comportam solução negocial. Assim podem as partes transigir, como podem aceitar o compromisso – tal como lhes é lícito, na compra e venda deixar a fixação de preço ao arbítrio de terceiros… A fixação do valor, por terceiros, resulta de ato negocial. E ninguém sustentará que a aceitação do negócio jurídico, a do valor que veio a ser fixado consoante prévio acordo de vontades, não possa ser admitido como legítimo e que a regra pacta sunt servanda deva ser tida como inconciliável como monopólio jurisdicional. Não há confundir, repita-se, a composição negocial de conflito de interesses com o exercício da jurisdição.

Exatamente porque não excluída de apreciação do Judiciário, lesão de direito, é que, não cumprida pela União a obrigação assumida validamente, ao Judiciário se traz, agora, a pretensão de exigir-lhe o cumprimento”.

Em parecer juntado aos autos pelo recorrente, o jurista Castro Nunes foi objetivo ao repelir a pretensa inconstitucionalidade:

“O caráter consensual do compromisso arbitral está mostrando que a ele não diz respeito a garantia do § 4º, que supõe, ao seu natural, o desacordo das partes, assegurando-lhes o acesso aos tribunais. O que se assegura é o direito à jurisdição, o acesso às Justiças regulares, a possibilidade ressalvada de poderem levar a juízo a sua pretensão ou de não responderem senão em juízo. Ao inverso, o Juízo Arbitral supõe, no ato de sua constituição, o acordo das partes que consentem em subtrair a causa às Justiças regulares, estando pelo que decidirem os juízes árbitros por eles escolhidos. Jamais se entendeu, aqui ou alheres, pudesse o compromisso arbitral constituir uma infração daquele princípio tradicional”.

Também em parece, o Senador Ferreira de Souza concluiu pela perfeita constitucionalidade do Juízo Arbitral, opinião esta que foi ao encontro do entendimento esposado pela então Consultor-Geral da República, Prof. Temístocles Cavalcanti, quando chamado pela União, nos autos do mesmo processo, a se manifestar sobre a minuta do Decreto-lei que estabeleceu a solução da pendência pela via arbitral.26

Importante notar que essa decisão enfrentou, não somente o aspecto constitucional ora apreciado, mas, também, outros importantes argumentos apresentados pela União na tentativa de tornar inválido o Juízo Arbitral. Assim, foram julgados constitucionais e, por isso, legais e eficazes, a cláusula de irrecorribilidade da decisão arbitral, a dispensa de homologação do laudo arbitral pelo Poder Judiciário, a possibilidade de a União ser parte em procedimento arbitral; e, ainda, firmou-se a posição de não constituir a arbitragem foro privilegiado ou tribunal de exceção.

Por outro lado, as Terceira e Quart Turmas do Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, também validaram a legalidade do Juízo Arbitral, como provam as duas decisões proferidas em 24 de abril de 1990 e 12 de novembro de 1991.27

5.3.5. Propostas do Poder Executivo

Primeiramente, relevante observar que, por iniciativa do Ministério da Justiça, na década de 80-1981, 1986 e 1987 – três anteprojetos de lei foram elaborados, por juristas de renome, com o intuito de permitir uma eficiente utilização do juízo arbitral no Brasil.

Já o ano de 1994 (em 22 de agosto) o Ministério do Trabalho redigiu anteprojeto de lei que institui a Comissão Paritária de Conciliação, com a atribuição de buscar conciliar o dissídio individual do trabalho.

Pelas regras desse último anteprojeto, as ações individuais somente serão admitidas na justiça estatal após esgotada a fase de conciliação prévia. A arbitragem é um dos meios de pacificação do conflito trabalhista posto à disposição dos interessados. Nesse caso, o laudo arbitral será definitivo, irrecorrível.

Note-se que a própria exposição de motivos do Ministro do Trabalho ressalta expressamente, que a utilização do instituto da arbitragem em nada afronta o disposto no artigo 5º, XXXV, da Carta Magna.

No mesmo diapasão, e procurando evitar uma enxurrada de demandas judiciais, a Medida Provisória n° 860, de 27 de janeiro de 1995 (reeditada ao cabo de cada 30 dias por falta de votação) que visa a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas, prevê, como ultima instância, em caso de impasse nas negociações, a utilização da arbitragem de ofertas finais.

Ressalte-se que, de conformidade com a MP, a decisão arbitral produzirá seus efeitos de direito sem necessidade de homologação judicial.

O que se pode extrair dessas propostas do Poder Executivo, não é somente a necessidade premente de se emprestar espírito prático e menos formal aos procedimentos de solução de conflitos, adotando-se os carneluttianos “equivalentes de jurisdição”, de modo a agilizar o resultado final da pendência e a viabilizar a própria Justiça com a redução do contencioso judicial, mas, principalmente, o entendimento de que o juízo arbitral não traz em si pecha violadora de normas constitucionais.

Corroborando esse juízo, é de ressaltar que o Decreto-Lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974, prevê expressamente que os conflitos surgidos nos contratos de empréstimo externo cujo tomador seja o Tesouro Nacional, ou quando este atue na qualidade de garantidor, serão resolvidos através de arbitragem.28

5.3.6. Conclusão do tema

Seja o ponto de vista teleológico, da doutrina e dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o inciso XXXV do art. 5º da CF/88 não constitui, efetivamente, óbice algum à implementação do sistema arbitral no Brasil, tampouco configurou essa norma constitucional obstáculo a conversão do Projeto de Lei nº 4.018/93, na Lei nº 9.307/96 que dispõe sobre a arbitragem.

Consubstancia a arbitragem o povo na administração da justiça, que a própria CF incentiva e aprova, como ocorre no Tribunal do Júri, onde prevalece a soberania ou “indiscutibilidade” dos veredictos, nos Juizados Especiais, com os juízes leigos e na Justiça do Trabalho, com os juízes classistas.

Na arbitragem, as regras e a solução da pendência sã concluídas em caráter privado, contudo, sob o manto do próprio Estado, legislador primário do instituto. O procedimento arbitral “não é processo estatal, mas processo estatalmente disciplinado, ordenado”.

Apesar do aparente distanciamento do órgão convencional, na realidade, a longa manus estatal sempre alcançará a sentença arbitral que violar postulados essenciais ou, enfim, que venha a causar lesão a direito individual.

Não é o intuito desse dispositivo constitucional impor ao cidadão o monopólio da justiça no País, mas apenas, assegurar-lhe a possibilidade de recorrer ao Judiciário, em caso de necessidade.

O direito de o cidadão acionar a justiça estatal permanece intocado, pois a solução do conflito pela via privada é ato consensual e a pessoa ajusta a derrogação da jurisdição estatal calcada na sua capacidade, liberdade e autonomia.

A garantia de acesso é o que se protege, não podendo o Legislativo ou o Executivo – a quem a norma é endereçada – vedar o direito de qualquer pessoa de buscar o Poder Judiciário para a tutela do seu direito.

Contudo, o cidadão não está proibido de optar por dirimir suas controvérsias fora da arena judiciária.

E isto não é novidade, pois, não raro as partes previnem ou põem fim a um litígio através da transação, renunciando inclusive a direitos com vistas a auto composição.

6. Nota sobre as Emendas Parlamentares ao Projeto de Lei nº 4018/93 (Lei Marco Maciel)

O Projeto de Lei (PL) que redundou na atual lei de arbitragem, foi encaminhado ao Senado Federal, pelo seu patrono, o então Senador Marco Maciel, em 3 de junho de 1992, tendo tomado o nº 78/92.

No Senado, o PL, após tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça dessa Casa, foi aprovado pelo seu Plenário em 2 de julho de 1993 e encaminhado em 14 de julho de 1993, para a Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 65 da Constituição Federal.

Na Câmara, o PL foi registrado sob o nº 4018/93, e tramitou pelas Comissões de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e pela de Constituição e Justiça de Redação, tendo sido aprovada a redação final, pelo Plenário da Câmara dos Deputados três anos após, em 1996. Em dois meses, mais precisamente em 28 de agosto de 1996, foi aprovado nos termos em que consta na Lei nº 9307/96.

Ocorre que na Câmara dos Deputados, dois ilustres congressistas, um do PT e outro do PC do B, apresentaram um total de 12 emendas, respectivamente, dez e duas, que, com a devida vênia, conseguiam o impossível, pois não só aniquilava o PL sobre arbitragem, bem como, se aprovadas, teriam o dom de tornar pior, o então sistema arbitral vigente que, diga-se de passagem, já era absolutamente inadequado à prática do instituto.

Como salientava o Relator do PL na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, congressistas Celso Russomano, “enquanto na Europa, Ásia, África e América do Sul buscam as diversas nações mecanismos ágeis, rápidos e eficazes de soluça de controvérsias, as emendas propostas pelo nobre Deputado tendem a cristalizar técnica superada, repropondo questões que a doutrina há muito já resolveu (como, por exemplo, a suposta inconstitucionalidade do art. 18, bem como a nomenclatura moderna e cientificamente adequada adotada no projeto), com apego inconcebível a garantias meramente formais de justiça; enquanto nos países civilizados procura-se mecanismo de solução de controvérsias independente do Poder Judiciário, as emendas propostas caminham em sentido contrário, apregoando a necessidade de maior intervenção do Estado; enquanto procura-se no mundo inteiro ampliar o âmbito de aplicação dos meios alternativos de solução e controvérsias, as emendas propostas tendem a limitar a utilização do juízo arbitral”.

Pelo teor das emendas propostas, pudemos detectar certo preconceito quanto a instituto arbitral e a tendência à preservação dos grandes obstáculos que inviabilizaram o desenvolvimento da arbitragem no Brasil.

Desse modo, e superada mais essa tentativa de sufocar esse meio de resolução de conflitos, trataremos, a seguir, das principais emendas – sob o prisma do retrocesso que sucedia caso fossem aprovadas – e das respectivas justificativas para as rejeições.

Saliente-se que as justificativas do Deputado Russomano, a seguir transcritas, foram acatadas pelo outro (e ultimo) relator, Deputado Régis de Oliveira.

Antes, porém, cumpre anotar que apenas uma das emendas foi aprovada, no sentido de suprimir a revogação do art. 51, inciso VII, do Código do Consumidor.

Essa singela emenda, contudo, não tira da Lei Marco Maciel qualquer proveito ou vantagem, ou enfraquece o campo de atuação da arbitragem, haja vista que esta aplica-se, também, às questões oriundas das relações de consumo.

(a) Terminologia. Sentença Arbitral e Laudo Arbitral

Quanto à primeira emenda apresentada ao projeto de lei volta-se contra a terminologia empregada, eis que no projeto a decisão dos árbitros é denominada sentença arbitral, preferindo o autor da emenda que se adote a tradicional designação de laudo arbitral, ‘como já fazem os nossos Códigos Civil e de Processo Civil’.

O apego à terminologia do Código de Processo Civil não convence; a leitura atenta do art. 1.078 do Código mostra que o nobre deputado está equivocado, eis que no dispositivo em questão esclarece o legislador que os árbitros proferem verdadeira sentença.

Superado o argumento de ordem formal, passa-se à questão de fundo: seria correto afirmar, como consta da justificativa de emenda, que as decisões arbitrais não poderiam ter os mesmo efeitos das decisões judiciais já que não emanam de órgãos do Poder Judiciário? A resposta só pode ser negativa, eis que se o argumento fosse válido não existiriam títulos executivos extrajudiciais, que produzem idêntico efeito das sentenças condenatórias!

(b) Questão de Valor Superior a 200.000 (UFIR)

A segunda emenda apresentada pretende que apenas questões de valor superior a 200.000 (duzentos mil) UFIR possam ser submetidas à solução arbitral.

A justificativa da emenda apega-se à preocupação de que a parte economicamente mais fraca opte pela arbitragem sem ter real conhecimento sobre este mecanismo de solução de controvérsias.

A emenda revela, antes de mais nada, total desconhecimento sobre as novas leis editadas pelo próprio Congresso Nacional sobre os meios alternativos de solução de controvérsias; a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, acaba de criar os juizados especiais cíveis e criminais, dispondo no art. 24, que as partes, não obtida a conciliação, poderão optar pela solução arbitral. E isto para causas de pequeno valor econômico! É de estranhar, assim, emenda como aquela ora comentada, tendente a restringir mecanismos de solução de controvérsias que o próprio Congresso Nacional que incentivar, o ponto de apresentar o juízo arbitral como alternativa (para as pequenas causas) à solução judicial.

Isto não bastasse, soa inverídica a afirmação de que, em causas de valor superior ao limite preconizado, as partes seriam economicamente fortes; mesmo em causas de valor muito superior sempre poderá ser detectada a existência da parte ‘mais forte’ e ‘parte mais fraca’, o que impede a paridade de armas que o processo (judicial ou arbitral) tende sempre a garantir.

(c) A Nulidade do Contrato e a Nulidade da Cláusula Compromissória (Cláusula Arbitral). O Princípio Kompetenz-Kompetenz.

A terceira emenda apresentada tacha de ilógica a disposição do artigo 8º do projeto de lei que dispõe acerca da conhecida questão da Kompetenz-Kompetenz.

O poder dos árbitros de decidir sobre sua própria competência é reconhecido pela generalidade das legislações nacionais sobre a arbitragem. Longe de caracterizar-se a atecnia ou ilogicidade asseveradas na justificativa das emendas – que deverá ser repelida – o projeto adotou teoria moderna e compatível com os sistemas arbitrais mais avançados, seguindo o modelo legislativo sugerido pela UNCITRAL.

(d) O Árbitro e sua Investidura

A quarta emenda apresentada pelo nobre parlamentar, pretende suprimir o artigo 18 do projeto de lei, sob a alegação de que o juízo arbitral não encontra previsão da Constituição Federal, havendo flagrante inconstitucionalidade do art. 5º, XXXV.

Impressionou-se o autor da emenda pelo fato de ser o árbitro qualificado como ‘juiz de fato e de direito’. O espanto do nobre deputado chega com vinte e dois anos de atraso, já que o Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), em seu artigo 1.078, atesta que ‘o árbitro é juiz de fato e de direito (…)’, como não podia deixar de ser. Afirma-se eu o árbitro seja juiz de fato e de direito não significa integrá-lo ao Poder Judiciário: trata-se aqui apenas de indicar que o escolhido pelas partes terá função em tudo e por tudo idêntica à do juiz togado.

Por outro lado, cumpre esclarecer que em momento algum pode-se afirmar violação ao dispositivo constitucional apontado na justificativa da emenda. O artigo 33 do Projeto de lei deixa claro que a parte interessada poderá pleitear junto ao Poder Judiciário a decretação da nulidade da sentença arbitral [nos casos do art. 32 que] poderá também ser alegada pelo executado em embargos à execução (nos mesmos moldes do que ocorre com os títulos executivos judiciais e extrajudiciais).

(e) Homologação do Laudo Arbitral

A proposta de emenda número cinco, ao impor a homologação do laudo arbitral pela justiça estatal, procura manter o atual status quo que tem sido um dos grandes entraves à implementação do Juízo Arbitral do Brasil.

A se manter tal emenda, continuará em pleno desuso o instituto arbitral vez que sucumbirão dois de sues maiores atrativos – celeridade e sigilo.

Não há que se falar em inconstitucionalidade, pois o projeto não cria ‘instância decisória com poderes equivalentes aos do judiciário’, uma vez que desde os idos de 1916 o Código Civil dispõe dobre a instância arbitral, tendo sido esta, inclusive, reafirmada pelos Códigos de Processos Civil de 1939 e 1973. Na verdade, o que o projeto propõe é a revisão das atuais regras da arbitragem para conferir-lhes uma roupagem mais moderna e eficaz, em consonância com os tempos atuais.

(f) Supressão da Expressões. Regras Internacionais de Comércio, Sentença Arbitral Estrangeira e Tratados Internacionais 

Emenda número nove – A emenda supressiva sub examine trata de dois artigos do projeto de lei que versam sobre assuntos diferentes e, portanto, de institutos jurídicos díspares, não assistindo razão a suas respectivas supressões. Senão vejamos:

Uma lei arbitral eu pretenda inserir o Brasil no concerto das nações não pode fechar os olhos às regras internacionais do comércio, práticas arraigadas e corriqueiras nas transações comerciais internacionais fixadas pelos usos e costumes. Não se pode deixar de reconhecer a existência de normas internacionais fixadas pelos usos e costumes. Não se pode deixar de reconhecer a existência de normas internacionais fixada pelos usos e costumes. Não se pode deixar de reconhecer a existência de normas estabelecidas pela comunidade internacional que facilitam e tornam conhecidos os mecanismos comerciais. Exemplo patente é a utilização dos INCOTERMS (Internacional Rules for Interpretation of Trade Terms), Regras Internacionais para a Interpretação de Termos Comerciais, ‘cujo escopo fundamental foi harmonizar os negócios internacionais, dando aos seus partícipes maior solidez relativamente aos diferentes entraves que surgem inevitavelmente no processo comercial. Apoiando-se nessas regras, de caráter uniformizador, os comerciantes não só impõem às suas atividades maior segurança, como evitam as incertezas decorrentes das diversas sistemáticas dos diferentes países’ (IRINEU STRENGER, ‘Contratos Internacionais do Comércio, RT, São Paulo, 1986, p.245).

Sentença Arbitral Estrangeira Tratado Internacional

O art. 34 do Projeto rede homenagem à mais antiga prática do jus gentium, ou seja, a prerrogativa de os Estados firmarem tratados, convenções ou acordos regulando direitos e obrigações entre si e para seus nacionais. É, seguramente, a mais importante forte de Direito Internacional Público. Assim está disposto no artigo 38, alínea “a” do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (de Haia).

O projeto ao fazer menção expressa aos tratados internacionais que regulam a matéria dispensa-lhes tratamento preferencial, como sói acontecer considerando as obrigações assumidas pelo Brasil no concerto das nações.

A supressão do artigo 34 do projeto instauraria a desordem e a dúvida jurídica ao tratar de sentença arbitral estrangeira, podendo afrontar princípios de direito internacional público, tais como, a da boa fé e o pacta sunt servanda.

(g) Adequação do Art. 584, Inciso III do CPC

Emenda número dez – O art. 41 do projeto de lei adequa a terminologia ‘sentença arbitral’, onde reza ‘sentença homologatória de laudo arbitral’ ao artigo 584, inciso III do CPC, haja vista a natureza jurídica outorgada à sentença arbitral no projeto, uma da principais inovações trazidas e que constitui sua ‘perda de toque’.

Desta forma, o projeto supera um dos principais obstáculos ao efetivo desenvolvimento da arbitragem no Brasil, que é necessidade de posterior homologação do laudo arbitral pelo judiciário, retirando as principais características da arbitragem: o sigilo e a celeridade.”

7. Conclusão

Foi possível observar, ao longo do presente trabalho, os vários entraves que, por décadas, inviabilizaram a utilização da arbitragem, meio pacífico eficaz de solução de conflitos.

Aos empecilhos de ordem jurídica juntou-se outro de natureza cultural que, por preconizar o quase absolutismo estatal, desprezou o indivíduo e sua vontade.

Foram precisos quatro anteprojetos de lei para que pudesse a sociedade serve-se de instrumento, adequado e hábil, para a satisfação dos seus interesses, por via de jurisdição privada, justiça de experts ou, no dizer do ilustre Petrônio Muniz, justiça cidadã.

A Lei nº 9.307/96 foi produto da vontade da sociedade, pois se originou de pesquisa elaborada pelo Instituto Liberal e da Associação de Advogados de Empresas, ambos de Pernambuco, junto a segmentos empresariais e industriais, que demonstram o anseio de se ter à disposição meio alternativo de solução de controvérsias fora da arena judiciária.

O resultado, amplamente, redundou na Operação Arbiter, coordenada pelo incansável Petrôneo Muniz, cujo anteprojeto que dela resultou, foi discutido, publicamente, em seminário realizado em Curitiba, em 1992, e totalmente encampado pelo então Senador Marco Maciel.

Com a promulgação da lei que dispõe sobre a arbitragem, é justo esperar que o instituto passe a ter utilidade e se desenvolva apropriadamente no Brasil, já que superados os velhos obstáculos e introduzido, no nosso sistema legal, o que há de vanguarda em sede de arbitragem.

Aceitando os ventos da modernidade, se posta o país em pé-de-igualdade com seus parceiros na ordem jurídica internacional – não obstante a necessidade da ratificação de alguns tratados e convenções – e dá um passo adiante no sentido da globalização e na agilização das relações comerciais.

Poderia o Brasil, sem sombra de dúvida, ser hoje um dos expoentes na prática arbitral, não tivesse sido promulgado o malfadado Decreto nº 3.900, em 1867, mas esse fato não deve gerar desânimo – no máximo lamento – pois agora, o interesse da sociedade é aliado fundamental; contudo, apesar de entrada em vigor da Lei Marco Maciel, não é ainda o momento de se despor as armas pois a luta deverá ser intensificada, com certeza, no sentido da implementação e enraização do instituto de arbitragem.

Notas

 

1 Para maiores detalhes sobre a parte histórica da arbitragem, conferir os seguintes autores nacionais: Cezar Fiúza. Teoria Geral da Arbitragem, Belo Horizonte. Del Rey Editora, 1995; Carlos Alberto Carmona. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro, São Paulo, Malheiros Editores, 1993; e, J.A. Tavares Guerreiro, Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional, São Paulo, Ed. Saraiva, 1993.

 

2 Ob. cit., Milano. Società Editrice, 1931.

 

3 Apud Nuovo Digesto Italiano, Torino, Utet, 1937, vol. 1, p.654.

 

4 In El Jicio Arbitral, 4ª ed., Chile, Fallos del Mes, 1982, p.46.

 

5 Cf. Pedro A. Batista Martins, in Aspectos Jurídicos da Arbitragem Comercial no Brasil, Lúmen Júris, 1990, p.9.

 

6 Cf. Pedro A. Batista Martins, op. cit., p.8.

 

7 Op. cit., pp.20-21.

 

8 Ver Rev. Forense, 397.

 

9 Apud Hamilton de Moraes e Barros, em seus Comentários ao CPC, p.519.

 

10 Ver Revista de Jurisprudência, vol. 68, p.393.

 

11 Apud J. Cretella Jr., in Comentarios à Constituição Brasileira de 1988, Ed Forense Universitária.

 

12 Apud J. Cretella Jr., op. Cit., p.435. Também Pontes de Miranda confirma que “a Constituição de 1946 foi como a reaquisição do tempo perdido: pôs-se uma regra jurídica explicita o que se teria obtido, através dos intérpretes, em regra jurídica não-escrita” (Comentários à Constituição Federal de 1967, Ed. RT, 1971, t.V.p.109).

 

13 Op. cit., p.108.

 

14 In Comentários ao CPC, Ed. Forence, 1977, t. XV, p.224. Para Sidnei Agostinho Beneti, Pontes de Miranda rebate, irrespondivelmente, a crítica de inconstitucionalidade (in “Perspectivas da Arbitragem no Processo Civil Brasileiro”, Revista dos Tribunais, vol. 696/78, p.82).

 

15 In Comentários ao CPC, Ed. Forense, 1976, vol. IX, pp. 377-378.

 

16 “A arbitragem como Elemento que contribui para aliviar o Poder Judiciário“, in Anais do Conjur, vol. VIII, São Paulo, Fiesp/Ciesp, pp.5-6

 

17 Ibid

 

18 Artigo publicado no Jornal do Commércio sob o título “Controle da Decisão Judicial Preocupa”, de 08.11.1995, p.A-20. Importante anotar que a Dra. Selma M. Ferreira Lemes e o Dr. Carlos Alberto Carmona, em palestras proferidas, têm mostrado que também conjugam da commuis opinio doctorum que refuta qualquer conflito entre o procedimento arbitral e a regra constitucional em questão.

 

19 Artigo publicado na Revista da Associação Comercial do Rio de Janeiro, nº 1293, p.31, set. 1994, sob o título “Arbitragem: A Grande Solução”.

 

20 Ob. cit., Madrid, 1956, p.154.

 

21 Apud Vitor Luiz Funes, “El Arbitraje: Uma Manera de Privatizar la Justiça”, publicado na revista da SRA, p.101.

 

22 Ob. cit., Ediar, Bs. As. 1965, t.VII, p.20

 

23 Ibid.

 

24 Revista Trimestral de Jurisprudência, vol., 52, p. 168. A decisão foi unânime tendo sido o voto do Ministro Relator acompanhado pelo Ministro Thompson Flores. Conforme consta da RTJ, vol. 68, p.387, essa decisão recebeu o apoio dos demais Ministros do STF ao ser confirmada em embargos pelo Tribunal Pleno.

 

25 Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 68, p.382. Participaram da sessão os Min. Luiz Gallotti, Oswaldo Trigueiro, Aliomar Balleiro, Djaci Falcão, Thompson Flores, Bilac Pinto, Angonio Neder, Xavier de Alburquerque e Rodrigues Alckmin.

 

26 Revista Tribuna de Jurisprudência, vol. 68, p.391

 

27 R.Esp. nº 15231 – RJ (91.0016671-5) e R. Esp. nº 616 – RJ (89.9853-5).

 

28 O art. 2º reproduziu os preceitos do art. 8º, § 3º, da Lei nº 5.000, de 24 de maio de 1966 e do art. 23, da Lei nº 1.628, de 20 de maio de 1952.

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